Se um empregado/prestador de serviços, obrando sob as diretrizes do empregador/tomador de serviços – pessoa física ou jurídica –, produzir um software, quem tem direito de autoria sobre esse programa? A pergunta é importante, visto que a criação de um software, na maioria das vezes, é obra de várias pessoas/setores atuando conjuntamente; a resposta destoa da regra geral de autoria de propriedade intelectual.

Primeiramente, quem é considerado autor no direito autoral nacional? O artigo 11 da lei de direitos autorais diz que “autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica” e, no seu parágrafo único excetua: “A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.” A autoria do software cai precisamente nesta exceção.

A Lei 9.609/1998, ou Lei do Software, estipula sobre a autoria do programa de computador em seu artigo 4º:

 

“Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos”.

 

Respondendo à pergunta que iniciou este artigo: a autoria é do empregador/tomador de serviços. Se o empregado desenvolveu o programa de computador utilizando-se dos recursos tecnológicos, espaços de trabalho e horário de expediente do empregador – e caso não haja no contrato de trabalho/prestação de serviço estipulação expressa de coautoria –, então a autoria do software é exclusivamente do empregador/tomador de serviços.[1]

Inversamente, também:

 

“Do outro lado, se o programa de computador foi gerado sem relação com qualquer contrato de trabalho, prestação de serviço ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações e equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de serviços ou órgão público, pertencerá o programa ao seu autor.”[2]

 

Contudo, há um porém: o termo “exclusivamente” do supracitado artigo 4º restringe-se aos direitos patrimoniais do software. Direitos patrimoniais são aqueles concernentes ao patrimônio e ao valor monetário e mercadológico do software: o direito de vender, licenciar, ceder etc.. Isso acontece porque o direito autoral é dividido em direito moral  e direito patrimonial; o primeiro é inalienável, ou seja, não pode o autor alienar ou vender o seu status de autor da obra ou software; o segundo, o patrimonial, é perfeitamente alienável e é o que se discute quando do aspecto comercial das obras autorais.

Assim, mesmo no caso em que o empregado se utilize de instrumentos do empregador para produzir o software, o direito moral do programa ainda será seu. O direito moral do autor, segundo o parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei do Software, restringe-se ao direito “de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.” Poderá, então, o empregado do exemplo anterior demandar que seu nome conste como autor do software produzido e opor-se a alterações que o deformem ou acarretem prejuízo à sua reputação.

Isto se dá porque o princípio elencado pela Lei do Software é o da organização:

 

“Frequentemente, quase que como princípio, a geração do software se faz como criação simultânea de vários autores, organizada para fins e sob métodos específicos. Como se verá abaixo, o regime específico da Lei do Software, por exceção à lei geral, a titularidade é, nestes casos, deflagrada automática e originalmente em favor daquele que organiza a produção”.[3]

 

No caso do exemplo dado no decorrer deste texto, o empregador/tomador de serviços será detentor exclusivo dos direitos patrimoniais do software: poderá vender, licenciar, ceder etc., a seu bel prazer independente de autorização ou pagamento aos criadores; à estes cabe apenas o direito moral: ser identificado como autor do programa e protege-lo de alterações que o prejudiquem ou acabem por causar danos à reputação do próprio autor.

Assim, mesmo que o empregador/tomador de serviços detenha os direitos patrimoniais do software, o não reconhecimento da correta autoria do programa ou caso promova alteração que acarrete mutilação ou danos à reputação do autor são atos ilícitos e passíveis de indenização.

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[1] Há que se notar que, mesmo no caso em que a atividade do autor não seja expressamente destinada a pesquisa e desenvolvimento, que não seja prevista no vínculo trabalhista ou que não decorra da própria natureza dos encargos pertinentes, o simples uso de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais ou de negócios, materiais instalações ou equipamentos do empregador consolidará a autoria nas mãos do empregador ou tomador de serviços.

[2] BARBOSA, Denis Borges. Tratado de Propriedade Intelectual, vol III. Pg. 1924.

[3] Ibidem. Pg. 1915.